"Eu vivo num tempo sem sol.
uma lingua sem malícia é sinal de estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia."
Bertolt Brecht
Após esse texto vou me tornar um abjeto, um execrável, um
crápula, o pior ser na face da terra para alguns. Já faço essa ressalva porque
é melhor eu ser pré-rotulado por mim mesmo do que por meus detratores.
Gregor Samsa, personagem principal da obra Metarmorfose de Franz Kafka, sabia disso e teve coragem de
bancar a transformação em inseto abominável. Por que eu também não teria a
mesma coragem? Vou tocar aqui na paixão e na postura egoica de alguns artistas
teatrais e isso é o suficiente para me julgarem moralmente. Felizmente o que conta para pessoas sérias não
é moral, o que conta é a ética. Pretendo realizar o exercício de ser muito ético em minhas colocações.
Serei longo e também posso ser enfadonho dentro de uma sociedade da informação
em 140 caracteres, mas tenho muito mais que uma twittada para fazer.
Antes que me acusem de “comunicador de determinada chapa” e usem isso
politicamente para depreciar a construção do pensamento, vou logo dizendo: diante
do contexto complexo que estamos vivendo; como cooperado interessado em pensar
propostas para uma cooperativa em conjunto com meus colegas; como um desinteressado em propostas impostas de cima para baixo em atos
de apresentação regidos pelo comportamento “eu falo, você escuta e apoia, senão
cai fora”; eu, frente ao histórico, declaro meu voto para a Chapa Berro. Após o preambulo irei
iniciar minha colação dizendo:
Tenho vergonha do comportamento de meus colegas artistas de
teatro!
A vergonha que sinto surge da contradição que existe entre o
discurso de meus pares e sua ação no mundo. O comportamento demonstrado pela
categoria teatral durante o debate desta terça, 19 de março, entre as duas
chapas que concorrem à gestão da Cooperativa Paulista de Teatro (CPT), Chapa
Acordes e Chapa Berro, é o que me conduz a fazer essa afirmativa. Somos um grupo que diz ser “politizado”, mas que não está interessada no verdadeiro
debate político. Prefere ficar na superfície das coisas à mergulhar de cabeça
nas questões. Nada que assuste tanto quando lembramos que nossa profissão vive
de criar imagens vendáveis para o mercado. Somos um grupo que prefere construir
muito bem um perfil de Facebook, ao invés de tentar construir um
pensamento político significativo e verdadeiro. Como produto que somos
consumimos produtos construídos e maquiados como nós. Consumimos também
discursos políticos que se adéquam a nossa necessidade de consumo e não nos
atemos às questões reais que se
apresentam.
Nós, os artistas de teatro,
temos a estranha mania de nos colocar acima do bem e do mal. Colocamo-nos nas
figuras de "grandes pensadores e libertadores da sociedade através da religião
Arte”. Em nosso discurso somos aqueles que ainda não renderam-se à alienação,
aqueles que ainda não renderam-se ao mercado, somos os revolucionários, somos
os out-sideres. Mas como dizia seu Fulgêncio, meu avô: “Falar é fácil, até
papagaio fala”.
Diante do discurso que adotamos nossa atitude está muito
contraditória:
·
Guy
Debord, ao definir imagem, diz que “imagem é acumulo de capital". Ora, quando
nos deixamos levar pela propaganda bem feita não estamos nos rendendo ao
fetichismo da imagem? Não seria também rendermo-nos ao capital? Quando compramos a ideia de uma ótima imagem. Quando nos deixamos ser conduzidos por uma
imagem bem construída, uma imagem de propostas sólidas, sem analisar o contexto no qual essas
propostas irão agir, creio que passamos imediatamente a fazer
parte do enorme batalhão de alienados, tão depreciado por nós, os “detentores do
saber”. E para deixar bem claro: aceitar propostas sem analisar o contexto é alienação;
·
Quando nos rendemos a um discurso populista de
“para todos” e outros slogans mercadológicos de venda, não estaríamos mostrando a
nossa despolitização? Mas tudo isso pode ser justificado quando dizemos que
“comprar gato por lebre” é simplesmente um senso de humor, um ruído de KKKKK, e
não a triste constatação de que fomos enganados. (Mas é necessário aceitar o
populismo, aceitar o POP. Se Madonna estivesse concorrendo à gestão da Cooperativa Paulista de Teatro, ela seria uma ótima candidata e já teria
ganhado. Ela deu seus pulos no palco e se produziu a vida inteira para essa
função: “Por uma cooperativa mais like a virgian, vote Madonna");
· Quando “intelectuais civilizados do
teatro” se deixam levar pela vaia e provocação em massa, eles não estão sendo massa?
Além disso, no nosso discurso de “acima do bem e do mal” estamos acima da
selvageria. Reproduzir uma atitude de arena romana, onde eram
praticados atos sanguinolentos, não seria o mesmo que reproduzir a barbárie que
condenamos? Ainda mais quando nos dizemos defensores dos ideias da democracia e da polis grega? (Que fique claro que não sou conta a vaia. Acho uma atitude
genuína, espontânea e popular. A vaia pode ser uma forma significativa de
manifestação politica de uma classe cooperada frente os seus opressores. Mas
quando ela é usada, somente pela forma, contra pessoas de sua própria classe é
desnecessária, porque desfortalece a construção de conhecimento e revela o quanto não
somos solidários com nossos iguais. Como podemos querer cooperar se não somos
afeitos ao debate sadio? Como podemos cooperar se não sabemos respeitar a falha
do outro e ajudá-lo à esclarecê-la?);
· Que categoria é essa que condena um ator que trabalhou
num comercial de propaganda política? Olhem bem, eu disse trabalhou, ou
seja, vendeu a única coisa que tem para sobreviver, a sua força de trabalho.
Fazer parte de um comercial político é a mesma coisa que fazer parte de
qualquer comercial mercadológico (sabendo que política hoje também é um
mercado e o mercado também é política). Ambos os trabalhos estão no rol da perversidade a qual temos que nos
submeter para poder pagar o aluguel em dia, comer e se locomover (principalmente
naqueles meses de entre-safra de trabalho teatral). “Trabalhar para” é
diferente de “apoiar” e “colaborar”. E aposto que, sabendo da realidade de
“vacas magras” que vivemos, pelo menos metade da plateia que vaiou esse ator
quando recebesse a proposta de um partido, com as cifras devidamente negritadas e não tendo a conta bancária recheada, não
exitaria em aceitar. Sem falar que na nossa amnésia política deixamo-nos levar por um episódio negando toda uma trajetória política desse ator. Mas, como dizia Stanislavski, “tudo é uma questão de estar
ou não em situação”. (Boa parte das pessoas presentes no debate, conhece ou já
ouviram falar de Brecht, aquele dramaturgo alemão, aquele perseguido por
Hitler, aquele que escreveu roteiros para Hollywood, aquele que fez propaganda
para uma empresa automobilística. Essa plateia adora dizer que Santa Joana
dos Matadouros é uma peça brilhante. Mas essa mesma plateia se esquece de
que nessa peça uma mulher, que protestava a morte do marido, enlatado
após ser moído pela máquina de carne, resolve aceitar um prato de
comida por dia da empresa que assassinou seu esposo. “Primeiro o estomago,
depois a moral”. Isso não quer dizer que ela apoia a empresa, isso quer dizer
que existe questões pragmáticas cotidianas que fazem a gente correr atrás do dinheiro).
·
Por que ninguém comentou a menção ao Senhor
Andrea Matarazzo, durante a reunião? Por que não houve um esclarecimento verdadeiro da situação? Por que
ficamos na questão da propaganda e não nos atemos ao posicionamento? Creio que
é porque somos criadores de imagens ocas e não construtores do conhecimento.
(Somos nós que criamos a nossa casta de políticos profissionais. Nossas
famílias de gestores: de Sarneys, Magalhães, Alckmins, Matarazzos, Alves,
Malufs e afins. Basta dar um google nesse sobrenomes que vocês verão como estamos construindo muito bem uma classe de Nobres Políticos
com direitos hereditários e poderes consuetudinários. A menção do nome de Andreia Matarazzo não seria algo preocupante? Como podemos
esquecer que esse cara era o grande executor dos interesses comerciais da
prefeitura nesses últimos anos de Serra/Kassab? E saibam que o senhor Andrea Matarazzo é o pré-candidato pelo PSDB à prefeitura de São Paulo para as próximas eleições).
· Falar que é "contra a política nojenta" e usar da ingenuidade do outro para se promover é perversidade política da pior especie. E também essa atitude não se configuraria como fazer política nojenta?
· Falar que é "contra a política nojenta" e usar da ingenuidade do outro para se promover é perversidade política da pior especie. E também essa atitude não se configuraria como fazer política nojenta?
Se queremos nos colocar na posição de intelectuais, de
artistas pesquisadores, artistas pensadores, tenho que dizer que estamos muito aquém. A Ilusão da bolha cor de rosa é coisa de mocinha “tocadoura” de piano do século XIX. O pesquisador é aquele
capaz inquietar-se com a realidade e
formular perguntas, ou seja, inferir para movimentar o pensamento.
Estamos passando longe de sermos questionadores. Nossas colocações revelam consumidores
de afirmativas e de receitas prontas. Uma proposta rígida, formatada por uma
elite intelectual e artística, acaba tornando-se mais interessante para um coro
que grita “Eu quero ensaiar. Não quero ir na reunião da cooperativa” (Até o
debate para essas pessoas foi um saco, porque impediu uma galera de ficar em casa
assistindo determinado programa de TV e/ou postando piadas sobre o fazer teatral no Face).
Noto na nossa classe teatral um discurso complicado em relação à
cooperativa. Um discurso que desconhece o conceito de cooperar. As cooperativas
são criadas num contexto em que os trabalhadores, para sobreviver ao mercado, necessitaram se unir e serem solidários entre si. Toda cooperativa tem que
observar alguns princípios ( adesão livre; gestão democrática; taxa limitada, etc). Os artistas teatrais cooperados ignoram esses princípios, isso foi claramente notado nas formulações de perguntas durante o debate, que não contemplaram a problemática.
A escolha dos artistas teatrais, ao que parece, não é pela gestão democrática e cooperativa. Cooperar uns com os outros dá trabalho, então, submetem sua escolha às regras do sistema político que criticam: escolhem representantes que legislem por eles e esquecem que a cooperativa existe até a próximo rateio (nem vou entrar nas questão acerca do SATED-SP para aprofundar a questão da falta de articulação, mas fica a dica). O ideal para os artistas que querem ir só para a “sala de ensaio” e não na reunião da cooperativa é que um grupo seleto de pessoas, altamente capacitadas pense as suas necessidades e resolva todos os problemas sem que eu tenha que sujar minha mão com a gestão.
“Eu sou gestor. Sou pai de família e faço a gestão de meu grupo. Estou pronto para encarar a cooperativa”.
Esse é o discurso predileto de nossa categoria, que prefere ficar ensaiando meses um espetáculo que não sabe se vai estrear, ou nos bares da praça Roosevelt, ao invés de ir na assembleia da cooperativa (vale a ressalva de que sou um dos frequentadores assíduos da praça Roosevelt e não vejo problema nenhum em frequentá-la). Esse discurso do grande gestor ex-machina é perfeito para uma classe que prefere que alguém lute por suas necessidades ao invés de se organizar, para tentar conquistar espaços e mudanças num contexto político e empresarial massacrante para o nosso ofício.
A escolha dos artistas teatrais, ao que parece, não é pela gestão democrática e cooperativa. Cooperar uns com os outros dá trabalho, então, submetem sua escolha às regras do sistema político que criticam: escolhem representantes que legislem por eles e esquecem que a cooperativa existe até a próximo rateio (nem vou entrar nas questão acerca do SATED-SP para aprofundar a questão da falta de articulação, mas fica a dica). O ideal para os artistas que querem ir só para a “sala de ensaio” e não na reunião da cooperativa é que um grupo seleto de pessoas, altamente capacitadas pense as suas necessidades e resolva todos os problemas sem que eu tenha que sujar minha mão com a gestão.
“Eu sou gestor. Sou pai de família e faço a gestão de meu grupo. Estou pronto para encarar a cooperativa”.
Esse é o discurso predileto de nossa categoria, que prefere ficar ensaiando meses um espetáculo que não sabe se vai estrear, ou nos bares da praça Roosevelt, ao invés de ir na assembleia da cooperativa (vale a ressalva de que sou um dos frequentadores assíduos da praça Roosevelt e não vejo problema nenhum em frequentá-la). Esse discurso do grande gestor ex-machina é perfeito para uma classe que prefere que alguém lute por suas necessidades ao invés de se organizar, para tentar conquistar espaços e mudanças num contexto político e empresarial massacrante para o nosso ofício.
O contexto que se apresenta dentro da própria classe artistas mostra
claramente um embate. Estamos cindidos entre aqueles que estão interessados em
pensar e lutar por uma Arte Pública e aqueles que estão preocupados em ir para
seu ensaio e ganhar edital. Afinal: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, ou
“Pouco capital, primeiro Eu no edital”. O que nos esquecemos é que sala de
ensaio e piração estética não cria política pública descente para a nossa
classe. A Lei de Fomento, que foi a única grande conquista da classe nos
últimos anos, surgiu quando os artista se uniram e usaram suas salas de ensaio
como espaços de assembleia cooperativa, ou seja, quando eles perceberam que
representavam a si mesmos num regime de cooperação. Depois vieram tramites
políticos, mas primeiros precisamos descobrir em conjunto o que precisávamos.
Já sabemos que a Lei de Fomento é pouco, ela não mata a fome, ela engana a dor
de barriga. Mas não queremos criar uma nova política de arte, queremos que
alguém faça isso por nós para podemos concorrer ao edital. Estamos querendo um representante com propostas sólidas que forre
a nossa dor de barriga mais uma vez.
Somos uma categoria cindida, dividida, fragmentada e isso não
pode ser acobertado pelo discurso polido (ético e complexo, complexo porque
ético, ético porque complexo): “Pertencemos a mesma classe. Ninguém aqui é
inimigo de ninguém”. Não somos inimigos porque pertencemos a mesma classe
fodida de artistas, mas que existem alguns dos nossos que estão aliados com a proposta do
inimigo, isso existe. E que fique claro: a alienação não é consciente; quando
consciente, deixa de ser alienação e quando usada para conseguir vantagens
políticas, é perversidade.
Temos de um lado pessoas interessadas em pensar junto,
construir pautas a partir das nossas necessidades, para lutarmos juntos
por uma Arte Pública. De outro lado temos a mudança para “melhor” com proposta
não pensadas cooperativamente. Qual é a real necessidade de um cooperado? O
cooperado tem que participar ou deixar que legislem por ele? Creio que esta
eleição irá revelar bastante sobre a categoria teatral. Creio que os comentários acerca
deste texto também revelarão. Estou aberto à construção de conhecimento sadia,
sem acusações infundadas e aproveitamentos políticos.
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