terça-feira, 15 de outubro de 2013

CARTA ABERTA AO ALUNO NIKOLAS

Hoje, 15 de outubro de 2013, dia dos professores topei com a pérola de um aluno de uma unidade do SESI de Belo horizonte que pode ser lida ao se clicar AQUI.
Então, resolvi gastar um tempo do meu dia dos professores para corrigir os erros deste aluno, porque ainda acredito numa educação esclarecedora. Segue minha CARTA ABERTA AO ALUNO NIKOLAS:


Caro Nikolas,

Sou professor e venho, por meio desta, lamentar o presente que você acaba de dar para todos os professores e para a humanidade inteira. É horrível, no dia dos professores, ler o que você escreve do alto dos seu 17 anos. Quero acreditar que isso é somente fruto da desinformação, quem sabe pode ser também resultado de alguma falta ou cochilo em momentos importante da aulas. Como educador vou esclarecer alguns erros na sua argumentação para que você não cometa mais equívocos. Afinal, você se expôs bastante usando em seu texto termos e conceitos que visivelmente não domina. Vamos lá:

· Aplicar uma prova que trata de temas relevantes da sociedade atual não é ser ativista de coisa nenhuma. Se fosse do jeito que você pensou o professor de geopolítica seria “ativista da guerra”; o professor de matemática, “ativista numérico”; o de língua portuguesa, “ativista das palavras” etc. E isso seria um absurdo, não concorda comigo?
· Normalmente quando a gente emite uma opinião que acreditamos ser embasada a gente emite as fontes. De onde saiu a afirmação: “Os maiores assassinos de homossexuais foram os comunistas”? Quais são os números que provam isso? Que órgão realizou a pesquisa? É um órgão sério? Quais são os interesses por trás dessa pesquisa? Essa forma epistemológica de pensar através de perguntas e apresentando fontes é uma forma de dar crédito ao que estamos falando, ou descreditar dependendo da fonte que você usa. Isso se chama cientificismo ou pensamento acadêmico, algo que você irá aprender caso ingresse numa instituição de nível superior de ensino, comumente chamada universidade ou faculdade. Aconselho não usar informações publicadas na Veja normalmente elas são manipuladas em favor de interesses antes de serem apresentadas, ou seja não trás crédito acadêmico.
· Concordo com a coordenadora da sua escola ao pontuar que seu discurso é meramente “sua opinião”. Opinião é um termo desenvolvido pelo filosofo grego Parmênides, em grego opinião é “doxa” que significa “aquilo que não passa de conjetura”, “inferência acerca da realidade”. Assim, Opinião contrapõem-se a “ideia”, ou seja o “conhecimento verdade”, aquilo que esta fundamentado numa clara construção de pensamento embasado (olha o pensamento acadêmico ai de novo!). Quem tem “ideia” tem argumentação, quem argumenta de forma confusa e vazia tem “doxa”, “opinião”. Espero que você não esqueça esses conceitos, eles são importantes.
· Agora, não entendo onde que “falar acerca de homossexualidade” seja uma “doutrinação de esquerda”. Talvez eu possa ser simplesmente um professor limitado que não esta entendendo a sua brilhante teoria. Mas posso afirma com certeza que se você estivesse defendendo isso numa banca acadêmica você teria muita dificuldade em ser aprovado. “Homossexualidade” é uma coisa, “doutrina marxista” é uma outra coisa, e “doutrina de esquerda” é um conceito muito vasto. Um erro que você esta cometendo muito grave é colocar Homossexualidade no mesmo bojo que o pensamento filosófico: Homossexualidade é uma orientação sexual. Lógico que existem Homossexuais de esquerda, assim como também existem também, pasme você, os homossexuais de direita (posso afirmar ainda com certeza que alguns gays de direita são colunitas, pasme de novo, da Veja)! Acho que agora você pode entender porque a coordenadora de sua escola riu quando você fez essa leviana colocação. Para evitar constrangimentos futuros não caia mais nessa inverdade infundada.

Espero que você ainda esteja me acompanhando. Vamos lá, que você ainda errou bastante no seu texto.

· Não há fundamentos para você chamar o MEC de ministério da Educação Comunista. Porque a educação no Brasil não é nada comunista. Se a educação brasileira fosse comunista haveria mais escolas publicas, mais universidades publicas, mais verba para infraestrutura educacional publica, professores melhor remunerados e melhor preparados (imagina o que seria ter aula de geografia ou de matemática com um professor doutor numa escola municipal ou estadual!). Se o nosso Ministério da Educação fosse comunista você não precisaria estudar numa escola particular, ou seja, seus pais não precisariam gastar rios de dinheiro para que você tivesse que estudar (olha só que máximo!). Viu como nosso ministério da educação não é comunista? Provavelmente a coordenadora tenha rido novamente do que você falou porque ela já deve ter sentido o que é trabalhar no estado ou no município sem verba pra nada. Se fosse você, eu procuraria perceber que a estrutura política do pais é social-democrata de direita e por isso a educação é uma, desculpe a palavra, uma merda! Depois de entender isso continue aproveitando a infraestrutura do SESI e os maravilhosos professores que esta escola particular lhe oferece. Digo a você que tem muita gente agora nas escolas públicas sonhando com o dia que o MEC será comunista para as coisas melhorem.
· Gostaria que você também me provasse onde está a “ditadura gaysista do Brasil”. O correto na língua portuguesa seria você falar “ditadura gay”, mas como isso não existe não vejo a finalidade da existência do termo correto. Tenho vários amigos gays e nenhum até hoje quis deixar de ser meu amigo por eu ser heterossexual, nenhum gay nunca me bateu na rua por eu não ser gay, nenhum gay nunca me prendeu e nem me torturam para eu virar gay. E tenho convicção que nenhum gay tenha feito alguma barbaridade contra a integridade do seu corpo ou da sua moral. Caso você tenha sofrido assédio moral de algum homossexual algum dia na vida, lamento dizer que o ser humano, muitas vezes erra independente da orientação sexual.

Sinto informar que o sua “luta contra o gramiscismo na sala de aula” é uma luta quixotesca contra gigantes inexistentes. Seus fundamentos são moinhos de vento, meu caro. “Gramiscismo na sala de aula” não existe! Aconselho a você estudar mais, principalmente história e filosofia, para não cometer os mesmos erros ou outros mais graves na vida.

Espero ter sido útil enquanto educador.

Faço votos que você repare os seus erros conceituais.

Obrigado pela atenção

Professor João Alves

P.S.: Mesmo sendo professor de teatro, eu estava me esquecendo: Nelson Rodrigues se calou acerca do reacionarismo e parou de apoiar a Ditadura Militar, quando seu filho Nelsinho foi preso e barbaramente torturado pelo Estado Ditatorial.

sábado, 25 de maio de 2013

BATENDO NO LUGAR ERRADO: Rodolfo Vázquez, Zé Celso, Gerald Thomas e a falta de uma Política Cultural

Prólogo da tragédia
Nós da categoria teatral já iniciamos uma briga interna que configura-se em um tiro no pé. Nossa tragédia é gerada pela desinformação (inconsciência de si e do estado das coisas) de uns e outros (protagonistas, antagonistas ou figurantes deste enredo). Estamos falando um monte de frases de efeito que não tem embasamento nenhum na realidade das coisas. E pior ainda, usamos o mínimo de informação que temos (que não configura um conhecimento de fato) para batermos uns nos outros ao invés de ir bater no lugar certo: bater nas portas dos gabinetes políticos para exigir uma verdadeira Lei de Políticas Públicas para a Cultura em âmbito Federal.

Episódios dramáticos
Nessa última terça-feira a “Arena Facebook” foi o palco de duelos teatrais. Gerald Thomas  fez a seguinte colocação em sua página:

Ze Celso tem tudo: um mega espaço! É um "carro conversivel" da Lina Bo Bardi. Fez espetaculos que queria. Teve os longos elencos, usou dezenas de atores que trabalharam de graça (e amo o Zé ! don't get me wrong). Conseguiu MILHOES da Petrobras pra editar seus DVDs (que eu apresentei aqui em NY) e CERTAMENTE NAO PRECISA TIRAR $$$ DE GRUPOS NOVOS com grana destinada pelo projeto do FOMENTO porra! CHAMA "FOMENTO" justamente para incentivar aompanhias novas, grupos novos, ideias novas de pessoas que não tem e não sabem entrar nesse complexo sistema de proteccionismo! Vamos dar uma chance a ELES e ver sangue novo! (respondo a uma indignação do Rodolfo Garcia Vásques ! Sorry por discordar. Mas o Satyros merece muiti mais, ja que vcs montaram escola, etc! E não sugaram tudo pra vodka em nome do "evoé" que voou e sumiu!
Gerald Thomas (indignado!)

Segundo Thomas seu texto teria sido motivado por Rodolfo García Vázquez, diretor do grupo Os Satyros, que havia dito no Facebook em um momento melodramático:

1) Estou pensando nos mais de vinte editais que nós Satyros perdemos em pouco mais de um ano. Mais de vinte! 
2) Estou pensando no Zé Celso, que perdeu o Fomento! (José Celso, monumento da cultura brasileira, perdeu o Fomento!?!?!?! Como assim?!?!?! Vergonha alheia!!!)
3) Estou pensando nas pessoas que se vangloriam de fazer teses na Academia baseadas nos projetos (sim, nos textos escritos apenas,
 
nos papéis) e não nos fatos, na história, nas revoluções.
4) Estou pensando que para ser artista neste país temos que saber escrever teses de doutorado em projetos....
E chego à conclusão que se Picasso, Michelangelo, Oswald de Andrade, Shakespeare e Kantor vivessem hoje no Brasil; também passariam fome por não saberem escrever teses de livre-docência sobre suas obras nos editais.

Que tipo de artista estamos criando com essa cultura editalesca pequeno-burguesa?


Quando inquirido Zé Celso realizou algumas colocações publicadas no espaço eletrônico do O Globo [1] e em seu blog[2]. Assim que os textos foram postados no espaço digital não demorou muito para começar os compartilhamentos no Facebook. O que se seguiu foi um festival de espancamentos da categoria teatral, um batendo no outro por causa de preferências estéticas, por posicionamentos políticos e por ressentimentos em função de um sentimento de preterição por parte de uns. A discussão como sempre ficou no âmbito da “reinvenção da roda” e da “tentativa de achar um bode expiatório”. Infelizmente, mais uma vez, o problema gerador e sua complexidades não foram debatidos de forma aprofundada e os artistas de teatro aproveitaram a deixa para ferirem uns o ego dos outros.

Êxodo sem catarse
Para os desinformados o artigo primeiro da Lei de Fomento versa o seguinte: "(...) com o objetivo de apoiar a manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral visando o desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da população ao mesmo." Ela esta então para processos “continuados de pesquisa e produção teatral” o que configura-se em algo bem amplo (importantíssimo esse caráter para uma Lei que ampara uma categoria), mas que deixa margens bem claras para quem pretende esse tipo de incentivo.

A palavra fomento vem do latim fomentare, que significa “dar calor, aquecer” e que é empregada em sua extensão no português como “promover o desenvolvimento de”. Portanto Fomento ao Teatro é “promover o desenvolvimento do teatro”. Vejamos que indo na raiz etmológica não existe nada que aponte para um programa de valorização de grupos novos ou que a defina como uma forma de manutenção de grupos consolidados. Ou seja, a Lei está voltada para o aquecimento do teatro, seja o grupo da idade que for desde que apresente um trabalho de pesquisa continuada de interesse público. Tanto é assim que o Engenho Teatral, grupo com uma história tão significativa quanto a do Oficina, foi contemplado em algumas das últimas edições do Fomento. 

Apresentar os acadêmicos como "bodes expiatórios" da culpa de alguns grupos não terem sido contemplados pelo Programa do Fomento é veicular uma mentira e desviar a atenção do verdadeiro foco da discussão. Basta dar uma olhada nas listas de contemplados nas últimas edições que perceberemos grupos de diversas origens e não só a acadêmica. E nem estou apontando a questão de que fazer teatro também é construir teoria, lembrando que "teatro" significa "lugar de onde se vê" e que tem a mesma origem etmológica de "teoria" que é o "olhar aprofundado sobre objeto de estudo". 

O fato é que o edital é pequeno frente ao tamanho do teatro que é realizado na cidade de São Paulo.

O que o Oficina e tantos outros grupos que estão ai na ativa ha muito tempo, com pesquisa, com trabalho de qualidade e com interesse público, precisam é de uma lei que garanta o subsídio e a continuidade de um "grupo estável". Há a ideia engavetada do Premio de Teatro Brasileiro que poderia ser uma alternativa para esse problema e para outros que a Lei de Fomento não resolve. Repito uma frase que usei num texto anterior: "O Fomento não mata a fome, ele engana a dor de barriga” [3]. Precisamos de programa que mantenha os grupos históricos e que possibilite grupos novos entrarem na história em parceria uns com outros e que isso seja bancado pela União e que seja tudo revertido para o público no fim das contas, configurando assim uma verdadeira Política de Cultura.

Outra coisa importante de saber, e que esse artigo primeiro já deixa bem claro, é que o contemplado tem que possibilitar "O melhor acesso da população" ao trabalho desenvolvido ou mantido. O que seria melhor acesso? Vamos pensar um pouco nessa questão complexa? melhor acesso gira em torno de valores (gratuidade e /ou preços populares, mas de preferência gratuidade visto que o Estado pré financiou), disponibilidade de ação cultural em seu entorno, no caso a cidade de São Paulo como um todo; garantir que o público teatral aumente significativamente, principalmente que passe a ser formado também por pessoas que nunca viram uma representação teatral anteriormente, e outras coisas deste tipo.

Antes de tudo creio que nós da categoria teatral deveríamos tentar entender o contexto que se apresenta, diagnosticar onde estão as suas contradições e fazer a diferença de fato. Lamentável uma briga como essa que fica só no "farinha pouca" e não discute política cultural de fato nem aponta soluções pragmáticas para o problema que os grupos artísticos estão vivendo hoje que é o desinteresse do poder estatal. O poder estatal só olha para nós quando é de interesse propagandista para ele. E ai? Vamos continuar brigando com as pessoas erradas? Já disse e irei repetir: temos que parar de ficar batendo uns nos outros ao invés de ir bater no lugar certo, bater nas portas dos gabinetes políticos para exigir uma verdadeira Lei de Políticas Públicas para a Cultura em âmbito Federal.







[1]  Fundador do teatro Oficina Zé Celso rebate críticas de Gerald  Thomas in: http://oglobo.globo.com/cultura/fundador-do-teatro-oficina-ze-celso-rebate-criticas-de-gerald-thomas-no-facebook-8454810 (publicado em 21/05/2013).
[2] Gerald Thomas está mal informado sobre o trabalho do Oficina in: http://blogdozecelso.wordpress.com/2013/05/22/a-bilis-de-gerald-thomas/ (publicado em 22/05/2013);  e Vá entender? Resposta a Gerald Thomas, que diz que nunca fui torturado in:http://blogdozecelso.wordpress.com/2013/05/23/eu-nao-fui-torturado-va-entender-resposta-a-gerald-thomas/ (publicado em 23/05/2013).
[3] A (des)cisão in: http://lugardeindignar.blogspot.com.br/2013/03/a-descisao.html (publicado em 23/03/2013)

sábado, 23 de março de 2013

A (DES)CISÃO: Sobre a eleição para a gestão 2013/2015 da Cooperativa Paulista de Teatro (CPT).


"Eu vivo num tempo sem sol.
uma lingua sem malícia é sinal de estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia."
Bertolt Brecht

Após esse texto vou me tornar um abjeto, um execrável, um crápula, o pior ser na face da terra para alguns. Já faço essa ressalva porque é melhor eu ser pré-rotulado por mim mesmo do que por meus detratores. Gregor Samsa, personagem principal da obra Metarmorfose  de Franz Kafka, sabia disso e teve coragem de bancar a transformação em inseto abominável. Por que eu também não teria a mesma coragem? Vou tocar aqui na paixão e na postura egoica de alguns artistas teatrais e isso é o suficiente para me julgarem moralmente. Felizmente o que conta para pessoas sérias não é moral, o que conta é a ética. Pretendo realizar o exercício de ser muito ético em minhas colocações. Serei longo e também posso ser enfadonho dentro de uma sociedade da informação em 140 caracteres, mas tenho muito mais que uma twittada para fazer. Antes que me acusem de “comunicador de determinada chapa” e usem isso politicamente para depreciar a construção do pensamento, vou logo dizendo: diante do contexto complexo que estamos vivendo; como cooperado interessado em pensar propostas para uma cooperativa em conjunto com meus colegas; como um desinteressado em  propostas impostas de cima para baixo em atos de apresentação regidos pelo comportamento “eu falo, você escuta e apoia, senão cai fora”; eu, frente ao histórico, declaro meu voto para a Chapa Berro. Após o preambulo irei iniciar minha colação dizendo:

Tenho vergonha do comportamento de meus colegas artistas de teatro!

A vergonha que sinto surge da contradição que existe entre o discurso de meus pares e sua ação no mundo. O comportamento demonstrado pela categoria teatral durante o debate desta terça, 19 de março, entre as duas chapas que concorrem à gestão da Cooperativa Paulista de Teatro (CPT), Chapa Acordes e Chapa Berro, é o que me conduz a fazer essa afirmativa. Somos um grupo que diz ser “politizado”, mas que não está interessada no verdadeiro debate político. Prefere ficar na superfície das coisas à mergulhar de cabeça nas questões. Nada que assuste tanto quando lembramos que nossa profissão vive de criar imagens vendáveis para o mercado. Somos um grupo que prefere construir muito bem um perfil de Facebook, ao invés de tentar construir um pensamento político significativo e verdadeiro. Como produto que somos consumimos produtos construídos e maquiados como nós. Consumimos também discursos políticos que se adéquam a nossa necessidade de consumo e não nos atemos  às questões reais que se apresentam.

Nós, os artistas de teatro, temos a estranha mania de nos colocar acima do bem e do mal. Colocamo-nos nas figuras de "grandes pensadores e libertadores da sociedade através da religião Arte”. Em nosso discurso somos aqueles que ainda não renderam-se à alienação, aqueles que ainda não renderam-se ao mercado, somos os revolucionários, somos os out-sideres. Mas como dizia seu Fulgêncio, meu avô: “Falar é fácil, até papagaio fala”.

Diante do discurso que adotamos nossa atitude está muito contraditória:

·          Guy Debord, ao definir imagem, diz que “imagem é acumulo de capital". Ora, quando nos deixamos levar pela propaganda bem feita não estamos nos rendendo ao fetichismo da imagem? Não seria também rendermo-nos ao capital? Quando compramos a ideia de uma ótima imagem. Quando nos deixamos ser conduzidos por uma imagem bem construída, uma imagem de propostas sólidas, sem analisar o contexto no qual essas propostas irão agir, creio que passamos imediatamente a fazer parte do enorme batalhão de alienados, tão depreciado por nós, os “detentores do saber”. E para deixar bem claro: aceitar propostas sem analisar o contexto é alienação;
·         Quando nos rendemos a um discurso populista de “para todos” e outros slogans mercadológicos de venda, não estaríamos mostrando a nossa despolitização? Mas tudo isso pode ser justificado quando dizemos que “comprar gato por lebre” é simplesmente um senso de humor, um ruído de KKKKK, e não a triste constatação de que fomos enganados. (Mas é necessário aceitar o populismo, aceitar o POP. Se Madonna estivesse concorrendo à gestão da Cooperativa Paulista de Teatro, ela seria uma ótima candidata e já teria ganhado. Ela deu seus pulos no palco e se produziu a vida inteira para essa função: “Por uma cooperativa mais like a virgian, vote Madonna");
·       Quando “intelectuais civilizados do teatro” se deixam levar pela vaia e provocação em massa, eles não estão sendo massa? Além disso, no nosso discurso de “acima do bem e do mal” estamos acima da selvageria. Reproduzir uma atitude de arena romana, onde eram praticados atos sanguinolentos, não seria o mesmo que reproduzir a barbárie que condenamos? Ainda mais quando nos dizemos  defensores dos ideias da democracia e da polis grega? (Que fique claro que não sou conta a vaia. Acho uma atitude genuína, espontânea e popular. A vaia pode ser uma forma significativa de manifestação politica de uma classe cooperada frente os seus opressores. Mas quando ela é usada, somente pela forma, contra pessoas de sua própria classe é desnecessária, porque desfortalece a construção de conhecimento e revela o quanto não somos solidários com nossos iguais. Como podemos querer cooperar se não somos afeitos ao debate sadio? Como podemos cooperar se não sabemos respeitar a falha do outro e ajudá-lo à esclarecê-la?);
·      Que categoria é essa que condena um ator que trabalhou num comercial de propaganda política? Olhem bem, eu disse trabalhou, ou seja, vendeu a única coisa que tem para sobreviver, a sua força de trabalho. Fazer parte de um comercial político é a mesma coisa que fazer parte de qualquer comercial mercadológico (sabendo que política hoje também é um mercado e o mercado também é política). Ambos os trabalhos estão no rol da perversidade a qual temos que nos submeter para poder pagar o aluguel em dia, comer e se locomover (principalmente naqueles meses de entre-safra de trabalho teatral). “Trabalhar para” é diferente de “apoiar” e “colaborar”. E aposto que, sabendo da realidade de “vacas magras” que vivemos, pelo menos metade da plateia que vaiou esse ator quando recebesse a proposta de um partido, com as cifras devidamente negritadas e não tendo a conta bancária recheada, não exitaria em aceitar. Sem falar que na nossa amnésia política deixamo-nos levar por um episódio negando toda uma trajetória política desse ator. Mas, como dizia Stanislavski, “tudo é uma questão de estar ou não em situação”. (Boa parte das pessoas presentes no debate, conhece ou já ouviram falar de Brecht, aquele dramaturgo alemão, aquele perseguido por Hitler, aquele que escreveu roteiros para Hollywood, aquele que fez propaganda para uma empresa automobilística. Essa plateia adora dizer que Santa Joana dos Matadouros é uma peça brilhante. Mas essa mesma plateia se esquece de que nessa peça uma mulher, que protestava a morte do marido, enlatado após ser moído pela máquina de carne, resolve aceitar um prato de comida por dia da empresa que assassinou seu esposo. “Primeiro o estomago, depois a moral”. Isso não quer dizer que ela apoia a empresa, isso quer dizer que existe questões pragmáticas cotidianas que fazem a gente correr atrás do dinheiro).
·         Por que ninguém comentou a menção ao Senhor Andrea Matarazzo, durante a reunião? Por que não houve um esclarecimento verdadeiro da situação? Por que ficamos na questão da propaganda e não nos atemos ao posicionamento? Creio que é porque somos criadores de imagens ocas e não construtores do conhecimento. (Somos nós que criamos a nossa casta de políticos profissionais. Nossas famílias de gestores: de Sarneys, Magalhães, Alckmins, Matarazzos, Alves, Malufs e afins. Basta dar um google nesse sobrenomes  que vocês verão como estamos construindo muito bem uma classe de Nobres Políticos com direitos hereditários e poderes consuetudinários. A menção do nome de Andreia Matarazzo não seria algo preocupante? Como podemos esquecer que esse cara era o grande executor dos interesses comerciais da prefeitura nesses últimos anos de Serra/Kassab? E saibam que o senhor Andrea Matarazzo é o pré-candidato pelo PSDB à prefeitura de São Paulo para as próximas eleições).
·   Falar que é "contra a política nojenta" e usar da ingenuidade do outro para se promover é perversidade política da pior especie. E também essa atitude não se configuraria como fazer política nojenta? 

Se queremos nos colocar na posição de intelectuais, de artistas pesquisadores, artistas pensadores, tenho que dizer que estamos muito aquém. A Ilusão da bolha cor de rosa é coisa de mocinha “tocadoura” de piano do século XIX. O pesquisador é aquele capaz inquietar-se com a realidade e  formular perguntas, ou seja, inferir para movimentar o pensamento. Estamos passando longe de sermos questionadores. Nossas colocações revelam consumidores de afirmativas e de receitas prontas. Uma proposta rígida, formatada por uma elite intelectual e artística, acaba tornando-se mais interessante para um coro que grita “Eu quero ensaiar. Não quero ir na reunião da cooperativa” (Até o debate para essas pessoas foi um saco, porque impediu uma galera de ficar em casa assistindo determinado programa de TV e/ou postando piadas sobre  o fazer teatral no Face).

Noto na nossa classe teatral um discurso complicado em relação à cooperativa. Um discurso que desconhece o conceito de cooperar. As cooperativas são criadas num contexto em que os trabalhadores, para sobreviver ao mercado, necessitaram se unir e serem solidários entre si. Toda cooperativa tem que observar alguns princípios ( adesão livre; gestão democrática; taxa limitada, etc). Os artistas teatrais cooperados ignoram esses princípios, isso foi claramente notado nas formulações de perguntas durante o debate, que não contemplaram a problemática.

A escolha dos artistas teatrais, ao que parece, não é pela gestão democrática e cooperativa. Cooperar uns com os outros dá trabalho,  então, submetem sua escolha às regras do sistema político que criticam: escolhem representantes que legislem por eles e esquecem que a cooperativa existe até a próximo rateio (nem vou entrar nas questão acerca do SATED-SP para aprofundar a questão da falta de articulação, mas fica a dica). O ideal para os artistas que querem ir só para a “sala de ensaio” e não na reunião da cooperativa é que  um grupo seleto de pessoas, altamente capacitadas pense as suas necessidades e resolva todos os problemas sem que eu tenha que sujar minha mão com a gestão.

“Eu sou gestor. Sou pai de família e faço a gestão de meu grupo. Estou pronto para encarar a cooperativa”.

Esse é o discurso predileto de nossa categoria, que prefere ficar ensaiando meses um espetáculo que não sabe se vai estrear, ou nos bares da praça Roosevelt, ao invés de ir na assembleia da cooperativa (vale a ressalva de que sou um dos frequentadores assíduos da praça Roosevelt e não vejo problema nenhum em frequentá-la). Esse discurso do grande gestor ex-machina é perfeito para uma classe que prefere que alguém lute por suas necessidades ao invés de se organizar, para tentar conquistar espaços e  mudanças num contexto político e empresarial massacrante para o nosso ofício.

O contexto que se apresenta dentro da própria classe artistas mostra claramente um embate. Estamos cindidos entre aqueles que estão interessados em pensar e lutar por uma Arte Pública e aqueles que estão preocupados em ir para seu ensaio e ganhar edital. Afinal: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, ou “Pouco capital, primeiro Eu no edital”. O que nos esquecemos é que sala de ensaio e piração estética não cria política pública descente para a nossa classe. A Lei de Fomento, que foi a única grande conquista da classe nos últimos anos, surgiu quando os artista se uniram e usaram suas salas de ensaio como espaços de assembleia cooperativa, ou seja, quando eles perceberam que representavam a si mesmos num regime de cooperação. Depois vieram tramites políticos, mas primeiros precisamos descobrir em conjunto o que precisávamos. Já sabemos que a Lei de Fomento é pouco, ela não mata a fome, ela engana a dor de barriga. Mas não queremos criar uma nova política de arte, queremos que alguém faça isso por nós para podemos concorrer ao edital. Estamos querendo um representante com propostas sólidas que forre a nossa dor de barriga mais uma vez.

Somos uma categoria cindida, dividida, fragmentada e isso não pode ser acobertado pelo discurso polido (ético e complexo, complexo porque ético, ético porque complexo): “Pertencemos a mesma classe. Ninguém aqui é inimigo de ninguém”. Não somos inimigos porque pertencemos a mesma classe fodida de artistas, mas que existem alguns dos nossos que estão aliados com a proposta do inimigo, isso existe. E que fique claro: a alienação não é consciente; quando consciente, deixa de ser alienação e quando usada para conseguir vantagens políticas, é perversidade.

Temos de um lado pessoas interessadas em pensar junto, construir pautas a partir das nossas necessidades, para lutarmos juntos por uma Arte Pública. De outro lado temos a mudança para “melhor” com proposta não pensadas cooperativamente. Qual é a real necessidade de um cooperado? O cooperado tem que participar ou deixar que legislem por ele? Creio que esta eleição irá revelar bastante sobre a categoria teatral. Creio que os comentários acerca deste texto também revelarão. Estou aberto à construção de conhecimento sadia, sem acusações infundadas e aproveitamentos políticos.