Prólogo da tragédia
Nós da categoria teatral já iniciamos uma briga interna que
configura-se em um tiro no pé. Nossa tragédia é gerada pela desinformação
(inconsciência de si e do estado das coisas) de uns e outros (protagonistas,
antagonistas ou figurantes deste enredo). Estamos falando um monte de
frases de efeito que não tem embasamento nenhum na realidade das coisas. E pior
ainda, usamos o mínimo de informação que temos (que não configura um
conhecimento de fato) para batermos uns nos outros ao invés de ir bater no
lugar certo: bater nas portas dos gabinetes políticos para exigir uma
verdadeira Lei de Políticas Públicas para a Cultura em âmbito Federal.
Episódios dramáticos
Nessa última terça-feira a “Arena
Facebook” foi o palco de duelos teatrais. Gerald Thomas fez a seguinte colocação em sua página:
Ze Celso tem tudo: um
mega espaço! É um "carro conversivel" da Lina Bo Bardi. Fez
espetaculos que queria. Teve os longos elencos, usou dezenas de atores que
trabalharam de graça (e amo o Zé ! don't get me wrong). Conseguiu MILHOES da
Petrobras pra editar seus DVDs (que eu apresentei aqui em NY) e CERTAMENTE NAO
PRECISA TIRAR $$$ DE GRUPOS NOVOS com grana destinada pelo projeto do FOMENTO
porra! CHAMA "FOMENTO" justamente para incentivar aompanhias novas,
grupos novos, ideias novas de pessoas que não tem e não sabem entrar nesse
complexo sistema de proteccionismo! Vamos dar uma chance a ELES e ver sangue
novo! (respondo a uma indignação do Rodolfo Garcia Vásques ! Sorry por
discordar. Mas o Satyros merece muiti mais, ja que vcs montaram escola, etc! E
não sugaram tudo pra vodka em nome do "evoé" que voou e sumiu!
Gerald Thomas (indignado!)
Gerald Thomas (indignado!)
Segundo Thomas seu texto teria sido motivado por Rodolfo García Vázquez, diretor do grupo Os Satyros, que havia dito no Facebook em um momento melodramático:
1) Estou pensando nos mais de vinte editais que
nós Satyros perdemos em pouco mais de um ano. Mais de vinte!
2) Estou pensando no Zé Celso, que perdeu o Fomento! (José Celso, monumento da cultura brasileira, perdeu o Fomento!?!?!?! Como assim?!?!?! Vergonha alheia!!!)
3) Estou pensando nas pessoas que se vangloriam de fazer teses na Academia baseadas nos projetos (sim, nos textos escritos apenas, nos papéis) e não nos fatos, na história, nas revoluções.
4) Estou pensando que para ser artista neste país temos que saber escrever teses de doutorado em projetos....
E chego à conclusão que se Picasso, Michelangelo, Oswald de Andrade, Shakespeare e Kantor vivessem hoje no Brasil; também passariam fome por não saberem escrever teses de livre-docência sobre suas obras nos editais.
Que tipo de artista estamos criando com essa cultura editalesca pequeno-burguesa?
2) Estou pensando no Zé Celso, que perdeu o Fomento! (José Celso, monumento da cultura brasileira, perdeu o Fomento!?!?!?! Como assim?!?!?! Vergonha alheia!!!)
3) Estou pensando nas pessoas que se vangloriam de fazer teses na Academia baseadas nos projetos (sim, nos textos escritos apenas, nos papéis) e não nos fatos, na história, nas revoluções.
4) Estou pensando que para ser artista neste país temos que saber escrever teses de doutorado em projetos....
E chego à conclusão que se Picasso, Michelangelo, Oswald de Andrade, Shakespeare e Kantor vivessem hoje no Brasil; também passariam fome por não saberem escrever teses de livre-docência sobre suas obras nos editais.
Que tipo de artista estamos criando com essa cultura editalesca pequeno-burguesa?
Quando inquirido Zé Celso realizou algumas
colocações publicadas no espaço eletrônico do O Globo [1] e em seu blog[2]. Assim que os textos
foram postados no espaço digital não demorou muito para começar os
compartilhamentos no Facebook. O que se seguiu foi um festival de espancamentos
da categoria teatral, um batendo no outro por causa de preferências estéticas,
por posicionamentos políticos e por ressentimentos em função de um sentimento
de preterição por parte de uns. A discussão como sempre ficou no âmbito da “reinvenção
da roda” e da “tentativa de achar um bode expiatório”. Infelizmente, mais uma
vez, o problema gerador e sua complexidades não foram debatidos de forma
aprofundada e os artistas de teatro aproveitaram a deixa para ferirem uns o ego
dos outros.
Êxodo sem catarse
Para os desinformados o artigo
primeiro da Lei de Fomento versa o seguinte: "(...) com o objetivo de apoiar
a manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e
produção teatral visando o desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da
população ao mesmo." Ela esta então para processos “continuados de
pesquisa e produção teatral” o que configura-se em algo bem amplo
(importantíssimo esse caráter para uma Lei que ampara uma categoria), mas que
deixa margens bem claras para quem pretende esse tipo de incentivo.
A palavra fomento vem do latim fomentare,
que significa “dar calor, aquecer” e que é empregada em sua extensão no
português como “promover o desenvolvimento de”. Portanto Fomento ao Teatro é
“promover o desenvolvimento do teatro”. Vejamos que indo na raiz etmológica não
existe nada que aponte para um programa de valorização de grupos novos ou que a
defina como uma forma de manutenção de grupos consolidados. Ou seja, a Lei está
voltada para o aquecimento do teatro, seja o grupo da idade que for desde que
apresente um trabalho de pesquisa continuada de interesse público. Tanto é
assim que o Engenho Teatral, grupo com uma história tão significativa quanto a
do Oficina, foi contemplado em algumas das últimas edições do Fomento.
Apresentar os acadêmicos como "bodes expiatórios" da culpa de alguns grupos não terem sido contemplados pelo Programa do Fomento é veicular uma mentira e desviar a atenção do verdadeiro foco da discussão. Basta dar uma olhada nas listas de contemplados nas últimas edições que perceberemos grupos de diversas origens e não só a acadêmica. E nem estou apontando a questão de que fazer teatro também é construir teoria, lembrando que "teatro" significa "lugar de onde se vê" e que tem a mesma origem etmológica de "teoria" que é o "olhar aprofundado sobre objeto de estudo".
O fato é que o edital é pequeno frente ao tamanho do teatro que é realizado na cidade de São Paulo.
Apresentar os acadêmicos como "bodes expiatórios" da culpa de alguns grupos não terem sido contemplados pelo Programa do Fomento é veicular uma mentira e desviar a atenção do verdadeiro foco da discussão. Basta dar uma olhada nas listas de contemplados nas últimas edições que perceberemos grupos de diversas origens e não só a acadêmica. E nem estou apontando a questão de que fazer teatro também é construir teoria, lembrando que "teatro" significa "lugar de onde se vê" e que tem a mesma origem etmológica de "teoria" que é o "olhar aprofundado sobre objeto de estudo".
O fato é que o edital é pequeno frente ao tamanho do teatro que é realizado na cidade de São Paulo.
O que o Oficina e tantos outros grupos
que estão ai na ativa ha muito tempo, com pesquisa, com trabalho de qualidade e
com interesse público, precisam é de uma lei que garanta o subsídio e a
continuidade de um "grupo estável". Há a ideia engavetada do Premio
de Teatro Brasileiro que poderia ser uma alternativa para esse problema e para
outros que a Lei de Fomento não resolve. Repito uma frase que usei num texto
anterior: "O Fomento não mata a fome, ele engana a dor de barriga” [3].
Precisamos de programa que mantenha os grupos históricos e que possibilite
grupos novos entrarem na história em parceria uns com outros e que isso seja
bancado pela União e que seja tudo revertido para o público no fim das contas,
configurando assim uma verdadeira Política de Cultura.
Outra coisa importante de saber, e que
esse artigo primeiro já deixa bem claro, é que o contemplado tem que
possibilitar "O melhor acesso da população" ao trabalho desenvolvido
ou mantido. O que seria melhor acesso? Vamos pensar um pouco nessa questão
complexa? melhor acesso gira em torno de valores (gratuidade e /ou preços populares, mas de preferência gratuidade visto que o Estado pré financiou),
disponibilidade de ação cultural em seu entorno, no caso a cidade de São Paulo
como um todo; garantir que o público teatral aumente significativamente,
principalmente que passe a ser formado também por pessoas que nunca viram uma
representação teatral anteriormente, e outras coisas deste tipo.
Antes de tudo creio que nós da
categoria teatral deveríamos tentar entender o contexto que se apresenta,
diagnosticar onde estão as suas contradições e fazer a diferença de fato.
Lamentável uma briga como essa que fica só no "farinha pouca" e não
discute política cultural de fato nem aponta soluções pragmáticas para o
problema que os grupos artísticos estão vivendo hoje que é o desinteresse do
poder estatal. O poder estatal só olha para nós quando é de interesse
propagandista para ele. E ai? Vamos continuar brigando
com as pessoas erradas? Já disse e irei repetir: temos que parar de ficar
batendo uns nos outros ao invés de ir bater no lugar certo, bater nas portas
dos gabinetes políticos para exigir uma verdadeira Lei de Políticas Públicas
para a Cultura em âmbito Federal.
[1]
Fundador do teatro Oficina Zé Celso rebate críticas de Gerald Thomas in: http://oglobo.globo.com/cultura/fundador-do-teatro-oficina-ze-celso-rebate-criticas-de-gerald-thomas-no-facebook-8454810
(publicado em 21/05/2013).
[2]
Gerald Thomas está mal informado sobre o
trabalho do Oficina in: http://blogdozecelso.wordpress.com/2013/05/22/a-bilis-de-gerald-thomas/
(publicado em 22/05/2013); e Vá entender? Resposta a Gerald Thomas, que
diz que nunca fui torturado in:http://blogdozecelso.wordpress.com/2013/05/23/eu-nao-fui-torturado-va-entender-resposta-a-gerald-thomas/
(publicado em 23/05/2013).
[3]
A (des)cisão in: http://lugardeindignar.blogspot.com.br/2013/03/a-descisao.html
(publicado em 23/03/2013)